
Vinhos
Vivendo de vinho há 25 anos
Entre os 16 e 17 anos, não gostava de alguns momentos das reuniões familiares. Nestas ocasiões, era infalível que viesse a pergunta: “vai estudar o quê?”. Com disfarçada tranquilidade, respondia: “bebidas”. Instantaneamente, todos voltavam seus olhares piedosos para minha mãe, que fingia não estar entendendo e mudava o rumo da conversa. Até este momento, para os padrões familiares, eu era considerada perdida. Subi de categoria quando me inscrevi no curso de sommelier: aí, fui taxada de maluca mesmo. Estudar vinho? Para quê? Quer morrer de fome? Passar o resto da sua vida à custa da família?
Tinha ainda os malvados, que diziam que tudo não passava de preguiça de estudar. Imagina! Hoje em dia, quando me perguntam “como vai?”, costumo responder, com sinceridade e muito orgulho: “que mal vai a quem vive de vinho?”.
Não os julgo. Quem poderia imaginar que aquela escola montada em cima de um restaurante com mesas e cadeiras doadas, um professor para todas as disciplinas e material didático impresso no mimeógrafo poderia dar futuro a alguém?
O conteúdo das apostilas era um caso à parte. Até hoje, quem teve o privilégio de integrar essa turma se lembra das traduções amalucadas do nosso mestre. Vindo da Itália e diplomado pela Associazione Italiana Sommeliers (AIS), Danio Braga montou a sua associação com tudo o que aprendera na vida e na AIS. Mas, naquele tempo, o português ainda não estava dominado. E nós tivemos que aprender, por exemplo, que vinho mórbido queria dizer macio e não morto, como supúnhamos…
As turmas eram divididas em aspirantes a profissionais, profissionais e amadores. Alguns anos depois, Danio formou um corpo didático oriundo das primeiras turmas. Com profissionais e professores, considerou que estávamos prontos para abrirmos nossas portas para o mundo. Em 1992, conseguiu um feito inédito: trouxe o concurso mundial da categoria para o Rio, reunindo, pela primeira vez fora da Europa, os melhores profissionais do serviço de vinhos do planeta. O que ninguém soube é que, na véspera da votação para escolher qual país sediaria o evento, alguns brasileiros passaram a noite deixando cestas com souvenires nacionais nas portas de alguns quartos.
De lá pra cá, muita coisa mudou. Começando pelos livros especializados em vinho: antes, nem constávamos neles; agora, em todos há um capítulo dedicado ao Brasil.
A Associação Brasileira de Sommeliers (ABS) faz parte da Association dela Sommellerie Internationale e tem seções em São Paulo, Bahia, Brasília, Belo Horizonte e Campinas, além do Rio de Janeiro – com uma no Flamengo e outra na Barra.
Só na cidade, a ABS já formou 20 mil pessoas em seus cursos básicos para enófilos.
Hoje à noite, todos nós que fazemos parte destes números e histórias estaremos no Hotel Copacabana Palace para comemorar os 25 anos de fundação da minha escola. Mais velhos e mais gordinhos, é claro.
Brindaremos por tudo o que já se fez e por tudo o que ainda precisamos fazer. Nossa missão de divulgar o vinho não está cumprida e nunca estará. Mas de uma coisa já podemos nos orgulhar: não há na cidade quem não olhe para uma garrafa de vinho com mais atenção, uma certa curiosidade e, digamos assim, algum carinho.
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